terça-feira, 22 de junho de 2010

Luis Fabiano, mas pode chamar de Henry

Lembra-se da mão de Thierry Henry, o atacante francês, aparando a bola para dar o passe para o gol que classificaria a França e eliminaria a Irlanda do Mundial da África do Sul? Lembra-se também do rugido coletivo e universal de repúdio que se seguiu, principalmente no Brasil?

Muito justo. Mas qual é a diferença entre o braço de Luis Fabiano e a mão de Henry, fora a parte do corpo envolvida no crime? Zero. E onde está, então, o rugido de indignação com a validação do gol do centroavante brasileiro?

O que há é exatamente o oposto, mesmo entre dois dos colunistas que eu facilmente colocaria no meu panteão de heróis da crônica esportiva, a saber Tostão e Juca Kfouri, na Folha de segunda-feira.

Tostão chegou a considerar "antológico" o gol, "apesar de a bola ter tocado em seu braço".
Não, Tostão, não. A bola não tocou no braço, o braço é que foi erguido para aparar a bola, uma vez e na seguinte também. Sem o uso do braço, Luis Fabiano não dominaria a bola e, por extensão, não haveria gol, muito menos gol "antológico".

Juca dá ao gol status de Pelé e escreve que "os três chapéus (...) anulam a matada com o braço que antecedeu o arremate".

De novo, não é nada disso, Juca. O braço é a causa do gol, não os três chapéus. Ou seja, não dá para dizer que foi um golaço, APESAR do braço, porque o que houve foi um gol POR CAUSA do braço, não apesar dele.

Dias antes desse jogo, e aproveitando o período forçado de repouso como "habeas-corpus" para ver todas as mesas-redondas sobre a Copa sem que minha mulher pudesse reclamar (muito), ouvi no canal SporTV, o colunista Renato Maurício do Prado, também de "O Globo", fazer um verdadeiro comício contra a França, justamente por conta do gol irregular que Henry armou.

Chegou a dizer que gostaria que os dois gols do México, o 2 x 0 contra a França, tivessem sido ambos irregulares para que a França provasse de seu próprio veneno.

Não deixa de ser uma vingança poética (e ética), mas para ficar coerente, gostaria de checar se ele, agora, vai rogar praga para que o Brasil seja eliminado com um gol de mão (de preferência numa eventual partida contra a Argentina).

O que há de ruim nesse episódio --em tantos outros que envolvem a seleção brasileira em Copas-- é a aceitação de comportamentos jornalísticos inadmissíveis em outras circunstâncias.

Caso da Rede Globo, por exemplo (e que conste que vi o jogo, bem como todos os anteriores na ESPN Brasil, enfim um canal que informa mais do que torce).

Terminada a partida, Galvão Bueno, forçado a reconhecer que Luis Fabiano usara duas vezes o braço, encerrou o assunto mais ou menos assim: se ele [Luis Fabiano] disse que foi involuntário, então foi involuntário.

Imagine agora se o "Jornal Nacional" mostrasse José Roberto Arruda, o governador afastado do DF, dizendo que recebeu, sim, propina, mas "involuntariamente". William Bonner enceraria o telejornal dizendo que, se Arruda afirma que foi involuntário, então foi involuntário? Jamais.

Se é assim, então porque a Globo não aplica um "cala a boca, Galvão"? Que jornalistas esportivos torçam para a sua seleção (acontece em todos os países do mundo) é algo tão inevitável quanto o sol nascer todos os dias. Mas pelo menos deveriam ser proibidos de torcer também os fatos.

Clóvis Rossi (Folha de S.Paulo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário